Atroz de mim

Gabriel Muney
2 min readJan 9, 2024

Lembrei-me do gosto das manhãs, das molezas, das quenturas, do som das coisas bonitas, da beleza dos dias cedinho, das conversas que ouço na rua, do viajar e do acrescentar, do esquecimento, do melhor e do pior, da antifragilidade, da descrença, do assentamento em mim e bem dentro de mim, que finalmente esqueço, que enfim durmo, e consigo respirar melhor, e enxergar novas cores, quando as consoantes repetitivas podem já reduzir-se, e a doçura e o amargor, ambos, colocam no lugar de nada o que é nada, língua e linguagem, sendo eu nada ou não, importa pouco, porque eu sou outro, e o mesmo, sempre anti-igual, escolhendo melhor o meu café da manhã, a minha leitura do dia, as vozes que devo ouvir, aliciando o meu desejo justaposto ao que realmente desejo e quero, para o futuro, e para a minha literatura, e para os meus pés, onde podem pisar, em areias brancas e mares cinzas, e as fotografias em que meus olhos podem repousar e se tranquilizar, logo sei que tenta-me ser ruína, de novo sou escapulário escondendo alma, catedral pontuda, museu de estórias, nascido e renascido de coisas menores, pequenezas e salitres ligeiros, ligeireza antiga, ligeireza ligeira, ligeireza devagarinha, porta fechada para arrombar, janela aberta para pular, coisa alta para se ver de longe, e grão para enxergar de olhos aguçados, escondendo os miúdos e entregando as grandes coisas, sem ter o que dar, nem o que receber, entre memórias situacionais e chuvas que englobam costas, de amizades perdidas e amores desperdiçados, disto entendo porque talvez eu seja passageiro impermanente e conexão entreperdida, e o meu remorso é feito de pedra inquebrantável, temendo o desaguar, e somente soltando, procurando não-manter, indevido de reconhecer, conhecendo o amanhã sem pareceres, sem discernir o rúim do ruím, e o bem do bom, das dúvidas que crio e da angústia que alimento, mas não mais. Jamais mais.

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